quarta-feira, 5 de setembro de 2007

QUARTO DIA Sexta- feira, 31 de Agosto de 2007.

11h32min

Até este horário fizemos coisas da rotina do nosso LAR DOCE LAR. Após a organização básica da instalação (que consiste em limpeza, organização, conferência de equipamentos), o dia começa sempre com nosso café da manhã e leitura do jornal do dia, de pijama e descabelados. Mantemos o figurino até o meio-dia (como privilegiados que, aliás, normalmente não somos).

Hoje pela manhã concedemos uma entrevista sobre nosso trabalho à Band News, e foi ótimo, porque pudemos falar mais sobre a vivência em si, que não havíamos falado ainda à imprensa, já que só havíamos sido entrevistados antes do trabalho começar a acontecer. A participação dos meios de comunicação é fundamental para que tudo flua, já que vivemos um momento em que a mídia é muito importante. Depois da abertura, muita coisa se transformou, o trabalho cresceu, está muito mais rico. De fato, uma obra de arte só está completa com o olhar do espectador.

Um dos fatores mais intrigantes, e que é explicado cientificamente, é o fato de algumas pessoas passarem ao lado da grade e não a verem! (A ciência explica que quando o cérebro está focado em algo, não percebe o inesperado, por mais estranho que este possa ser.) É muito engraçado perceber que estamos totalmente deslocados desta paisagem mas, ainda assim, com toda esta informação visual do shopping, passamos despercebidos para algumas pessoas.

Uma avó que se diz apressada porque precisa terminar de fazer as “cinco Marias” que prometeu à neta de cinco anos... O brilho nos olhos dela é o mesmo do bebê que vimos conversando com o cachorro noutro dia.

Várias pessoas ouvem a música e saem cantarolando, ou assobiando... Sinto como se este trabalho, nestes momentos, adquirisse vida própria, se descolasse do que é, aqui, e fosse junto com aquela pessoa... Como se a pessoa levasse consigo uma parte do trabalho impressa na alma. Poder estar aqui, presenciando estas reações, é o que compõe esta obra, fazendo com que ela seja realmente viva e, portanto, mutável. Cada reação é um pedaço do todo: do simples “gostei”, às queixas da senhora que ficou revoltada conosco, ou às inúmeras fotografias tiradas pelos espectadores, que são também uma extensão do trabalho.

Hummm... Dor de garganta não estava nos meus planos... Calafrios pelo corpo, cansaço... Sinais de gripe à vista. Peço para o Beto buscar para mim um anti-gripal com vitamina c... Todo mundo sabe que pouco adianta, mas é melhor do que nada. Fico observando-o da nossa “sacada”. Lá vai o Beto, no seu personagem. Aqui dentro, combinamos um andar mais cênico, como todo o nosso comportamento enquanto “obra”, para manter a energia da performance. Observo o personagem do Beto entrando na farmácia. De fato, não é o Beto. Quem é esse, afinal?

A mediação vista de dentro das grades é um espetáculo à parte... Uma mãe explicando a uma menina de uns 7 anos: “eles estão assim, dentro das grades, como nós estamos, na nossa casa...”

Uma menina de uns 15 anos, enquanto escutava a canção nos fones, abre a bolsa, tira uma flauta e começa a fazer um acompanhamento de improviso... Dançando e tocando flauta... Consegui filmar um fragmento disso... O pessoal mais jovem, na maioria, gosta muito, principalmente, da música, pegam o site, perguntam quando lançaremos o cd... Retratam bem a geração tecnológica à qual pertencem. É perceptível a maior intimidade e interesse com a linguagem musical.

Uma senhora pega um celular, em frente às grades, liga para alguém e começa a narrar o que está vendo... “Uma jaula, aqui no meio do shopping! Tu ias amar! Tu ias amar!... Precisas ver!”

Os bebês, quando as mães permitem que se aproximem, ficam fascinados, olhando a jaula, nos olhando... Parecem querer compreender que tipo de bichos são esses, ali presos... Não são macacos, nem cachorros, que bicho é esse??? Fotografei o bebê Antônio em seu momento nos observando, com as mãozinhas grudadas na grade.

18h. Início da noite de sexta-feira. Como será o nosso primeiro final de semana como obra de arte? O movimento é grande no shopping.

Percebo que poucas pessoas assinam o nosso livro de visitas, apesar de ele estar bem visível.

...E as muitas fotos que fazem da obra, conosco dentro... Pequenos fragmentos do LAR DOCE LAR...?

Penso nas pessoas que acham que estamos sendo pagos para estarmos aqui, “sem fazer nada”, e de como diríamos que não há remuneração financeira nesse trabalho. Me peguei pensando em uma possível resposta, na linguagem do “mundo dos negócios”: é um investimento... A arte é um eterno investimento – um investimento em mim mesmo, um investimento na minha felicidade, um investimento na minha intelectualidade e paixão, um investimento no meu gosto, um investimento nas minhas idéias. E depois, investir no outro...

Na falta de avisos de “não alimentem os animais”, amigos solidários com a causa jogaram balas e bombons na nossa “jaula”...

A visita dos amigos artistas sempre conforta nosso coração... Como um amigo que te entende e ajuda num momento importante da vida.

2 comentários:

Jener Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jener Gomes disse...

"Eles estão assim, dentro das grades, como nós estamos, na nossa casa..." Sensacional!! Bom público, hein?
A que liga do celular contando o que via!! Que tri!
Ai, que maldade a da mãe usando-os para assustar as crianças!!! E engraçado!

Achei que o aviso seria “não alimentem os artistas”. :)
Me explica a história dos coletes a prova de balas.
"Quem é esse que não é o Beto?" foi ótima!