quarta-feira, 5 de setembro de 2007

TERCEIRO DIA Quinta-feira, 30 de Agosto de 2007.

10h34min
O LAR DOCE LAR está virando nossa casa mesmo... A sensação de estar em casa é cada vez maior...
A cada dia que passa, as pessoas estão mais acostumadas a nós, ou estamos nos amalgamando ao shopping. O que só vem a confirmar a teoria de que, quando a arte está disponível às pessoas, elas passam a apreciá-la e incluí-la nas suas vidas, bem como todos os benefícios que essa aproximação certamente vai gerar.
Hoje, a aproximação público\obra começou bem mais cedo: 9h45min. Assim que ligamos nossos discmans\passarinho, um segurança do shopping veio, ansioso, escutar a música. E, depois disso, o público passante não parou mais de se aproximar, bem mais timidamente que costuma ser à tarde, mas mais curioso do que nos dias anteriores.
Fui até a ótica em frente ao nosso trabalho, para dar uma olhadinha no espelho e fiz amizade com os funcionários da loja. O rapaz atendente, Diego, comentou o quanto estava achando interessante o trabalho, e que as pessoas estavam realmente se interessando, se aproximando, e que entram na loja comentando e perguntando a respeito. Que ele mesmo já dera informações, dizendo que é uma obra de arte da Bienal B, e que há outras obras pelo shopping. Este aspecto da Bienal B no shopping registramos anteriormente, através do poema do Beto. O importante do que está acontecendo é que este lugar, antes destinado preferencialmente a lazer e compras, passa a abrigar também arte, cultura, informação, educação. É muito diferente uma pessoa vir ao shopping para tomar um café e deparar-se com um trabalho de arte, que poderá ou não instigá-la, mas certamente acrescentará um brilho diferente ao seu dia. E, sabemos que o shopping é um local muito contemporâneo, onde várias gerações transitam por motivos diferentes, mas que está se transformando, de fato, em um hábito, uma cultura. Apesar da questão polêmica que possa haver em relação a consumo, não se pode fechar os olhos para o fato de que, no shopping, estão as pessoas, o que não se vê em mesmo número nos museus. O que estaria acontecendo? Além de revitalizar os museus, não seria o caso de levar a arte aos shoppings? O que vemos é que as pessoas se interessam por arte quando têm fácil acesso a ela. Vemos o interesse no público habitual do shopping, nos funcionários em geral, tanto quanto nas pessoas que não freqüentam shopping e vêm até ele para ver as obras da Bienal B. Em que outra oportunidade teríamos esta mágica de vermos lojistas mediando uma Bienal? Temos presenciado esta “mediação” em diversos momentos. Já vimos seguranças, lojistas, pessoal da limpeza, explicando onde estão as obras, a que contexto pertencem, porque estão ali. Esta, certamente, é uma experiência que de alguma forma irá modificar a maneira de ver destas pessoas envolvidas.

É muito lindo ver uma pessoa que vinha apressada e pára pra ouvir a música, o rosto tenso, daqui a uns segundos dá um sorriso... Isso faz tudo valer a pena.

...Sereias presas num elevador cheio d’água, que se movimentam e fogem quando olhamos para o andar de baixo... Quando se abre o elevador, elas se escondem, assustadas...
(Não estamos delirando... É o trabalho do “Pelos Muros”.)

A primeira soneca em público a gente nunca esquece. O Beto acaba de pegar no sono, aqui, em pleno shopping, às 11h40min da manhã. O cansaço começa a nos derrubar... Desde a montagem foi muito trabalho e, por mais que pareça que estar aqui é um descanso, estar exposto requer uma energia que não é a mesma quando se está vivendo a vida real. É como estar em cena doze horas por dia.

O Beto, deitado, queixou-se de frio, coloquei meu chale por cima dele. Vejo uma moça diante das grades escrevendo, escrevendo. Depois, chegou bem pertinho da jaula e disse que era poeta e que aquela visão a tinha inspirado um poema:

Utopia
não é nada
é só poeira de sonho
de uma noite de outono

até esqueci
e deitei no vácuo
que ocupou meus ais

é só uma miragem
Pintando a face
de um amor distraído
que tropeçou no silêncio
e amanheceu você.

Cláudia Gonçalves.

Em seguida o Beto teve que levantar do seu breve cochilo... Um grupo de espectadores estava eufórico a nossa volta, querendo saber se ele estava dormindo de verdade. Uma moça veio por trás dele e, através da grade, cutucou e o mandou acordar...! O Beto esfregou os olhos, bocejou, espreguiçou... E a platéia adorando a cena, comentando: “Ele tava dormindo mesmo!” Engraçado como cenas habituais neste contexto se tornam mágicas e teatrais.

Reações diversas vão compondo nossa obra viva. Uma senhora, muito indignada, sentiu-se extremamente ferida com nosso trabalho. Perguntou-nos, brava, qual então é a solução que propomos. Que nossa jaula deixa as pessoas ainda mais confusas e deprimidas, e que, se não temos solução, não devíamos estar aqui... Que de nada adianta essa gotinha no oceano, não vamos resolver nada com isso!

Um bebê veio engatinhando e balbuciando a língua dos bebês em direção às grades... A mãe atrás, fazendo a guarda. Chegando perto, levantou e começou a balbuciar com o cachorro de madeira que temos ao lado da nossa instalação. O cachorro é um empréstimo do shopping, uma foto em tamanho natural de um labrador. O bebê ficou ali, conversando com o cachorro por uns segundos. Com o dedinho ia acariciando o nariz do cachorro, a língua, o rabo, a pata... Os olhinhos brilhando, acreditando estar realmente em frente a um cachorro... Maravilhado... O tempo todo conversando na sua língua ininteligível. Depois deu seu tchau e saiu engatinhando novamente.


Engraçado: para quem enxerga de trás de grades, todo o mundo está enjaulado...

21h
As pessoas ficam chocadas quando sabem que ficaremos aqui até o dia 30 de Setembro. Perguntam quanto estamos ganhando, sugerem que passemos o dia vendo tv... A arte contemporânea sustenta de fato poucos artistas privilegiados, o que “ainda” não é o nosso caso. Nosso tempo aqui dentro é investido em estudo, em reflexão a respeito do próprio trabalho no qual estamos, neste momento, inseridos como objeto. E é um tempo muito precioso, no qual estamos investindo muita energia.

Uma cena que poderia muito bem ser definida como um ballet, aconteceu diante dos nossos olhos, na obra que se encontra bem em frente à nossa. Um jovem casal e a filhinha, de aproximadamente 2 anos de idade, passeavam pelo shopping. Ao ver a obra (uma tela e uma cadeira), a criança simplesmente disparou em sua direção, deixando os pais meio tontos, sem saberem direito o que fazer. A criança queria tocar, os pais não queriam deixar, e iniciou-se uma linda dança em torno da obra, em que os únicos espectadores éramos eu e o Beto. Fiquei extasiada vendo aquilo, a criança se jogava contra a obra, o pai a segurava pelo braço e a suspendia, a mãe fazia uma barreira com o corpo, ela choramingava, disfarçava que ia embora e vinha novamente correndo em direção ao objeto de desejo. O pai a erguia no alto para distraí-la, mas quando a colocava no chão, ela corria novamente na direção da obra, ora dando risada, ora choramingando... E essa dança se prolongou por minutos! Quando fui pegar a máquina fotográfica, a linda família se afastou e seguiu seu passeio. Ficamos os dois embasbacados e embebidos num sonho... Que linda cena! E fiquei me remoendo por não ter filmado ou fotografado. Mas para a minha surpresa, vejo a menininha vindo, de longe, correndo pelo corredor do shopping, com os pais atrás... Ela estava voltando, em busca do sonho de possuir aquele objeto tão desejado! “Saquei” a filmadora imediatamente e peguei a segunda parte deste ballet inesperado e inacreditável, ao qual o Beto deu o nome de: “Busca Desesperada pela Arte”.

Um comentário:

Jener Gomes disse...

Credo!!
O que disseram à mulher irritada?!
Se alguém não questionar a situação vai ficar igual, é preciso pensar para mudar, senão vai piorar!!

Que demais a Busca Desesperada pela Arte!!


Muitas coisas legais, visões, impressões, constatações... isso renderia um fabuloso estudo antropológico!! Há psicólogos se rasgando de inveja de vocês, hehehehe!!

Sucesso!!!