10h23. Terminamos nosso café da manhã. Saio do nosso LAR, vestindo minha discreta camisola e minha manta de croché preta, para ir à farmácia, buscar umas gotas de hidratante facial, que pego, muito naturalmente, nos mostruários... Aproveitei para me pesar e ver o estrago desses dias sem exercício algum, fora correr do ponto de ônibus até o shopping pela manhã e do ponto de ônibus até nossa casa “de verdade” à noite (o que é um exercício bastante arriscado, já que moramos no centro). Até onde esse trabalho modificará até mesmo nossos corpos? Na farmácia, os atendentes fazem perguntas sobre o trabalho, parabenizam pela iniciativa.
10h30. Eu e o Beto sentamos para as tarefas virtuais: atualizar site, divulgar o trabalho, responder e-mails... A Internet é muito, muito lenta.
12h48. Estou imersa no trabalho digital. O Beto dorme seu sono diário matinal, que funciona maravilhosamente bem como cena. Aproveito para escrever.
Maquiagem, unhas, cuidados com os quais não costumo me preocupar “tanto”. Coisas da vida pública. Repito essas ações inúmeras vezes por dia aqui dentro. Eu, enquanto obra.
Pessoas sem paciência para ouvir. Algumas escutam somente os primeiros segundos.
Um grupo ouve toda, um por um, admirados com o Beto, que dorme, aparentemente profundamente, às 12h58 min.
“Eu não curto esse negócio de instalação! Não vejo graça nenhuma!” Vocifera um passante, enquanto escrevo.
Tarefas do LAR são divididas sem combinação prévia, numa mútua cooperação. Hoje o Beto foi buscar comida num restaurante nos arredores (um local acessível e com uma comida muito bem feita, onde alguns funcionários do shopping costumam comer). Ao chegar, levei a comida e nossos pratos à loja vizinha, onde já fizemos amigos, para servir-nos. Eles têm uma mesa, o que não temos, e achamos que poderia ser um pouco desagradável ao público ver-nos envolvidos com potes de comida pelo chão. Pura logística. Preferimos que já vejam nossos pratos servidos harmonicamente, saindo sabe-se lá de onde, para confundí-los e ser esteticamente agradável ao mesmo tempo. Comemos sentados: o Beto na cadeira e eu na cama, com os pratos sobre os joelhos. Ao terminarmos, o Beto lavou a louça, num local usado pelos funcionários do shopping.
Após o almoço, movimento intenso, li um pouco, enquanto o Beto trabalhava no computador. Tive sono, busquei um cafezinho para mim e um quindim para o Beto. (Juntos, somos praticamente um Mário Quintana!!! ...Ao menos nos gostos!) Peguei na cafeteria uma revista CARAS para ler... Não há o que ler... Só imagens de uma realidade irreal. Mas interessante antropologicamente.
Visita de amigos queridos com presentes muito simbólicos. Uma plantinha Espada de São Jorge, para nossa proteção. E um massageador para a cabeça, um estranho aparato anti-stress, parecido com uma aranha, cuja massagem nos deixou realmente muito relaxados. As pessoas parecem estar sentindo que podemos estar precisando de proteção... É estranho estarmos entre grades, mas desprotegidos. É justamente uma das coisas que questionamos. Um outro amigo, logo depois, ensinou-nos uma maneira de rezar e se proteger das energias diversas às quais estamos expostos aqui.
Trouxemos lindas maçãs para o lanche. Perfeitas, brilhantes, pareciam de cera. Ao mordê-las, não tinham gosto algum...
Tínhamos ao lado do nosso LAR um cão cenográfico, o qual chamamos, num ato de originalidade, de Rex, que pertencia ao shopping. Desde o início haviam emprestado o Rex, que já era da família, fazia parte da vida neurótica dos nossos personagens, completando esse triste quadro com a imagem desesperadora de um cão cenográfico. Pois bem, o shopping, hoje, levou-nos o Rex. Como quem muda um banco de lugar.
Nossa tranqüilidade e satisfação aqui dentro, por vezes, alteram a leitura do trabalho. As pessoas vêem um ambiente feliz. As grades já fazem parte de tal forma, que já não as assusta.
Quando não há ninguém nos fones, as pessoas se aproximam menos. Se há alguém nos fones, formam-se filas para ouvir também.
“Vocês estão aqui para chamar a atenção?”
“Mas vocês não moram, de verdade, aqui?” (Expressão de decepção.)
“É para reivindicar alguma coisa que não permitiram vocês, enquanto namorados, fazerem?” (Terá ele pensado em sexo?)
“As pessoas se sentem presas, não podem fazer as coisas que querem, porque a sociedade não permite...”
“Cada objeto tem um significado?”
“Trancaram vocês aí, ou vocês estão aí por gosto?”
“O computador escraviza...”
“As pessoas não entendem porque hoje em dia vem tudo pronto, as pessoas estão com preguiça de pensar.”
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