domingo, 23 de setembro de 2007

VIGÉSIMO SEXTO DIA Sábado, 22 de Setembro de 2007.

Chuva novamente. Porto Alegre cinza. E vazia.

Limpar, arrumar, cena do café da manhã.

De cabeça baixa, escrevo. Quando olho para a escada rolante, ela está lotada, todas as pessoas olhando para a nossa instalação. E eu, distraída, nem lembrava onde estava, aqui escrevendo o nosso diário. Levei um susto.

“Isso é que é vida!”, diz um segurança.

“Agora não, Mariana, eu tenho que ir pra casa fazer a sobremesa!” A curiosidade da menina é maior e ela se aproxima e coloca os fones. Os pais a deixam para trás. Ela escuta um pouco e depois sai correndo.

“Olha! É assim que a gente vive dentro de casa!”

“Uma obra áudio visual!”

O Beto foi ao centro buscar os postais/convites que encomendamos, para o coquetel/show de encerramento.

Beto voltou. 13h30min. Cena do almoço. Buscamos duas porções de arroz num dos restaurantes do shopping e acrescentamos um strogonoff trazido de casa, comprado pronto. Enfeitamos com batatinhas fritas de saquinho. (Mais tarde, uma senhora perguntou o porque de nós comermos somente arroz. Provavelmente ela só viu o Beto chegando com os pratos. É interessante que as pessoas pegam pedaços de cena e montam suas próprias conclusões, criando uma nova história.)

14h25min. O Beto dorme. Tenho sono também. O shopping está bem pouco movimentado. Como um chocolate para passar o sono. Não engordei nenhum grama aqui, mesmo estando muito mais parada do que normalmente. Mas sinto que minha resistência mudou. Fico cansada, como não ficava, quando subo escadas.

“É... Pra entrar lá em casa tem que passar por dois portões, seguranças... Bem assim!”, conta uma senhora aos amigos que a acompanham na visita à instalação.

A funcionária de uma loja próxima traz um cliente para mostrar nossa obra. Ela fala da grande repercussão que teve esse trabalho no shopping, que é muito comentado entre os clientes e funcionários, que as pessoas acham que somos muito corajosos (e loucos) de ficarmos aqui por todo esse tempo. E que ela e as outras funcionárias comentam entre elas: “olha lá, agora eles estão comendo!” ou “olha, eu gosto quando ele está dormindo”, acompanhando a rotina do trabalho. Segundo ela, a instalação é “um espelho”, as pessoas se identificam, se vêem nela. Também disse que faz questão de contar às pessoas que não estamos recebendo nada para estarmos aqui, e então todos gostam ainda mais da obra, por admirarem esse “amor pela arte”.

“A quanto tempo vocês estão aí? Porque vocês estão aí? O que significa?...” Quatro meninas eufóricas nos enchem de perguntas. Depois saem correndo, saltitantes, aos berros, contar à mãe o que “descobriram”.

Ganhamos doces de um casal amigo... Muitos amigos que vieram nos visitar trouxeram doces ou comidinhas... Tentamos não citar nomes, mas a todos ficamos muito gratos pela gentileza... É curioso que, esse comportamento, as pessoas costumam ter quando visitam a casa de alguém, ou seja, o nosso LAR DOCE LAR se tornou mesmo uma referência de casa, como era para ser.

Ignorância. Ato de ignorar. Ignorar uma obra de arte no meio do seu caminho, quando há tempo disponível e oportunidade. Ausência de curiosidade? Ausência de curiosidade causa ignorância?

Observamos que as crianças, em geral, ficam muito interessadas pela obra. Seria o olhar disponível, não-treinado, não-viciado?

“Ele tá ali porque ele não comeu tudo, viu? Tem que comer tudo pra não ficar preso!”, diz o pai ao menininho.

“Isso aqui é um brechó?” – não, senhora, é uma obra de arte. “Ah, é?” (faz cara de decepção e vai embora).

Uma querida amiga nossa, professora de artes, veio nos visitar e acabou dando uma aula sobre o trabalho a uma menina, desconhecida, que estava querendo saber mais sobre a obra. Foi lindo ver uma explicação tão clara e didática sobre o nosso trabalho, ficamos os dois muito emocionados. Obrigada, Si!

Toda a vez que uso as escadas rolantes, ouço comentários muito interessantes sobre o LAR DOCE LAR. Dessa vez, ouvi uma jovem explicar ao namorado: “Viu? Eles ficam ali, o dia todo atrás das grades, para nos mostrar que nós é que estamos vivendo assim!”

Um comentário:

Jener Gomes disse...

Gostei da explicação da namorada! Simples e vasta!