Até o meio dia, o shopping, no domingo, parece uma cidade fantasma. 12h inicia o movimento mais forte. O Beto, cansado, dorme profundamente, o que deixa as pessoas muito curiosas. As crianças se aproximam e fazem perguntas aos pais. Querem saber porquê “o tio tá dormindo”. Uma mãe responde: “Por que ele viu muita televisão”. Uma senhora idosa tenta cutucar o Beto com uma bengala. A ação dormir dá veracidade, aproxima a obra da vida real. “São presidiários vip”, afirma um espectador. O público de domingo é ainda mais aberto a observar, refletir, parar diante da obra e simplesmente ver... Ouvir a canção. Há fila nos fones. “São artistas! Estão enjaulados como a gente está, em nossas casas!”
“Ele tá dormindo mesmo?” Dormir é a ação que mais chama a atenção.
Um dos seguranças veio nos pedir mais informações sobre a obra, para poder explicar às pessoas que perguntam. Depois de ouvir uma breve “explicação”, constatou: “Ah, era isso que eu tinha entendido mesmo!...”
As moças do café também perguntaram, “mas o quê quer dizer?” Devolvi a pergunta: “Vocês têm grades nas casas de vocês?” Ficaram pensando. E disseram, quase em coro, um “Ah!”, e uma expressão de quem acabou de descobrir um segredo.
Pessoas param em frente à instalação e discutem arte. A estética da obra. “Ah, essa cadeira está assim, por isso e isso... Ela está sentada ali, e ele deitado, para dar equilíbrio...”
“Ouve, ouve, que vale a pena!”
“Que espetáculo isso aqui!”
“Como eles têm paciência?!”
“Eu não entendi o que eles querem dizer!” Diz a senhora, irritada, e sai andando, falando coisas que não consegui escutar, mas não pareciam boas coisas... Bom depende do ponto de vista, neste caso, falar mal também é positivo. O que importa é tocar.
“O artista vai onde o povo está.”
Interativo. Visual. Vivo. Auditivo. Teatral. Nunca é o mesmo porque uma cena nunca vai ser a mesma, nunca vai se repetir.
Nota escrita por um espectador no nosso livro de visitas: “A perfeição invejada!” Uma leitura totalmente diferente. Vendo no nosso quadro um retrato da perfeição... Como se as grades também pertencessem a esse ideal de perfeição.
“Eu estou aqui, em frente às grades!” Mulher ao celular, indicando-nos como ponto de referência.
“Parece propaganda de pasta de dente!” Diz uma outra senhora, com os fones no ouvido, pensando falar baixo.
Uma espectadora não resiste em chamar-nos para dizer que o LAR DOCE LAR, para ela, representava uma simplicidade absoluta: tudo o que, atualmente, é necessário para viver da forma mais simples possível. Elogiou a estética da obra, a sensualidade do sapato vermelho da Cláu, a espiritualidade nos livros, o exercício nos halteres. Ela não tinha escutado a música, que acaba remetendo a um outro aspecto, muito mais chocante, mencionando rottweillers, cercas e tudo o mais... Propus que ouvisse a música. Ela ouviu um trecho e preferiu não embarcar na ironia que a canção insinua. Preferiu levar consigo a sensação gostosa e confortável que havia me relatado anteriormente, a sua primeira impressão.
Colocar os fones é como aceitar um cochicho no ouvido. O espectador doa dois dos seus preciosos minutos e nós doamos a nossa criação, o que há de mais importante nas nossas vidas, naqueles breves dois minutos, só para ele. Cantamos no seu ouvido. Dois minutos de intimidade e entrega, dele e nossa, nosso segredo contado no ouvido. Contado e cantado.
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