quinta-feira, 13 de setembro de 2007

DÉCIMO SEXTO DIA Quarta-feira, 12 de Setembro de 2007.

Estamos totalmente ambientados. Sinto-me quase em casa. A diferença é que, aqui, não consigo parar um segundo, mesmo que não pareça. É preciso administrar a obra o tempo todo: conferir visualmente, conferir os fones de ouvido, os volumes, se estão funcionando corretamente. E a nós enquanto obra. Escrevo muito, tudo precisa ser registrado. Verifico como anda o mundo real pela internet e jornais. Filmo, fotografo. É preciso energia o tempo todo para manter a obra, manter o quadro, para as pessoas desfrutarem exatamente do que pretendemos que desfrutem. É um não-relaxamento constante. 12 horas de trabalho diário constante.

Diariamente, antes de qualquer coisa, quando ainda estou organizando o espaço, preparando a “cena”, o Beto sai de dentro da jaula, vai até os fones, e escuta a canção. Às vezes, fecha os olhos, segura nas grades, outras vezes fica olhando tudo, com o olhar estranhamente distante. É como um ritual que, acredito, faz com que ele “entre na história”. Algumas vezes fiz o mesmo e muda tudo. A visão das grades, ouvindo a canção, que é um misto de felicidade e tristeza, ironia e crueldade, faz re-entendermos a razão de estarmos aqui, nesse momento.

O meu ritual é entrar já anotando as primeiras sensações do dia. O registro desse trabalho é tão importante quanto o próprio trabalho, porque se trata de uma obra viva que se move em direções diferentes a cada momento, gerando, constantemente, outros pontos de vista e questionamentos.

Nossas vidas reais surgem o tempo todo na obra. Olho em volta e observo: temos três celulares aqui dentro, às vezes um está carregando... Uma cena cotidiana muito atual. Aquele monte de fios, fio do carregador, fio do lap top, fio do vídeo-game, da tv que nunca usamos. Fios.

Algumas vezes, somos mesmo prisioneiros. Quando estamos com o pé na porta para irmos rapidamente ao banheiro, aparece um grande grupo de pessoas para verem a instalação. Então, disfarçamos, esperamos o movimento diminuir para sair. A canção LAR DOCE LAR é cantada pelo casal, fala de uma realidade que remete a um casal que faz planos para comprar a sua casa, então queremos estar, os dois, aqui, enquanto as pessoas ouvem a música.

Manhã bastante movimentada hoje! E dia lindo de sol lá fora. Faz 32 graus. Não aqui, onde temos ar-condicionado o dia inteiro.

Pessoas param em frente às grades e escrevem, escrevem, escrevem... O que escrevem???

Enquanto o Beto faz seu descanso, deitado, de olhos fechados, uma espectadora chega bem perto das grades e grita: “Acordaaa!!!”.

Outra passa dizendo à pessoa que está com ela: “Acho que é Jesus!”. Fiquei pensando: Jesus preso numa jaula, dentro de um shopping. Muito contemporâneo isso. Um outro trabalho.

Fomos entrevistados pela Natália, da Revista Noize (www.noize.com.br). Uma revista produzida em Porto Alegre, sobre música. Vamos estar na próxima edição, Outubro. Impossível não tocar nesse assunto, quando conversamos por quase uma hora sobre música, arte, filosofia e psicanálise, assuntos que amamos, com uma pessoa que nunca havíamos visto na frente, mas com quem tivemos imediata empatia. Coisas mágicas desse trabalho. Ela veio, perguntou se poderia conversar conosco e sentou no chão, ao lado da jaula. Como nenhuma das nossas “visitas” tinha feito. Nós, no chão também, do lado de dentro. Talvez esse gesto tenha sido o primeiro passo para criar uma atmosfera tão interessante. No chão, como índios, como crianças, como num ritual. E mais uma cena se fez. Às vezes as relações se confundiam, esquecíamos quem estava fora e quem estava dentro... Quem era entrevistado e quem entrevistava... Uma das coisas importantes dessa conversa foi o que ela comentou sobre uma impressão sua a respeito do Diário Lar Doce Lar. Lendo nosso texto, ela percebeu que as pessoas pensam que estão nos observando, mas nós é que as estamos observando. E é exatamente como nos sentimos às vezes. Quem está atrás das grades? Nós ou eles? Ainda que estejamos aqui presos, quem está preso de fato? Nossos pensamentos e idéias estão livres, concretizados neste trabalho. E os seus?

4 comentários:

Claudia Lottermann disse...

Claaauuuu!!!!
To viciada nos teus textos!!!Dpois daquela reunião fui procurar a obra, p completar na aula d Prática II falamos em vcs. Aí já viu agora é isso: todo dia preciso ler o q vc escrev vizinha!!! Já m sinto assim mesmo sem nunca ter visto teu lar por dentro. To parecendo uma daquelas vizinhas quando se mora em cidad pequena: sempre sabem toda a rotina d qm mora ao lado!!!
Preciso ir visitar vcs!!!!
Querida vc escrev muito bem, parabéns adoro ler teus textos!!!!
Ahhh um super bjo pelo aníver, Parabéns sucesso e muita Felicidad!!!!

AlexTextor disse...

hoo r u? hoo hoo, hoo hoo...
let d sunshine in

Jener Gomes disse...

O Beto verifica diariamente a qualidade do áudio?? Fantástico! É um padrão de qualidade.

Sim, se não registrasse muito se perderia!! Como escreveste, a percepção muda constantemente, seria impossível manter todas na mente! E imaginem as percepções que vocês não percebem... a repercussão e as reflexões que saem espalhadas pelo ambiente?

É, aqui no mundo externo foram dias de verão! Voltaremos ao inverno durante o final de semana. Um dia de outono? Ou primavera? Talvez verão de dia e inverno à noite...

HAHAHAHA!! Jesus?! Ótima! E preso num centro comercial??
Cláu, és Maria? Maria Madalena?? URRÚ, adorei esta leitura, insolitíssima!!

Amei "Ainda que estejamos aqui presos, quem está preso de fato?"!
E os nossos pensamente e idéias, concretizamos num trabalho?
UAU!!!

Beijos radiantes!!

MusiQ disse...

é noize!