Rotina de organização do LAR, café da manhã e brincadeira de criar paródia com a canção da Parmalat...
Após doze dias somos totalmente diferentes do que éramos quando entramos. Depois de muitas conversas filosóficas, com contribuição de outros artistas, estudantes de arte e teóricos, chegamos a uma certeza que já vinha se instaurando, mas que agora é fato: somos, sim, obra em processo. Não só a instalação como nós, enquanto obra. A construção desses personagens, que são mutáveis e adaptáveis, são processo. É difícil enxergar quando se está dentro, quando se é parte de algo. Quando a entrega total é necessária e a racionalidade precisa ser deixada de lado. Para mim, no início do LAR DOCE LAR, nossos personagens deveriam ser como atores em um palco. A platéia, normalmente, não intervém numa peça de teatro. E poderíamos ter mantido este acordo mas, como muita coisa nesse trabalho, o rumo que a obra tomou foi simplesmente uma surpresa. Os personagens se fundiram a nós e passaram a interagir, sim, com o público. Ainda não somos nós, mas quase. Os amigos vêm nos visitar, como quem vem à nossa casa. E alguns são recebidos, atrás das grades. Não os ignoramos como tínhamos planejado. Os incluímos numa performance que acaba por fazer parte do trabalho. As pessoas assistem a um casal recebendo os amigos através de grades. Aos desconhecidos tratamos como desconhecidos que, quando buscam interação, podem ou não receber a nossa atenção, dependendo do humor do momento. O importante desta relação é ter bem claro que somos todos vizinhos, companheiros de uma realidade, parceiros de uma situação da qual poucas pessoas conseguem não fazer parte.
O shopping é uma extensão da nossa casa...Vamos ao banheiro do shopping de pijama, à farmácia (“como quem abre o armário do banheiro de casa”, disse a Bibs) à livraria do shopping como quem pega um livro na própria estante de casa.
As primeiras espectadoras ficaram chocadas. Após ouvir a música fizeram o seguinte comentário: “Um pouco chocante para uma manhã de sábado”. Fantástico.
Uma jovem mãe vinha com o filho no colo, chorando alto, desde o início do corredor. Quando chegou em frente ao nosso LAR, a criança esticou a cabeça, se ajeitou melhor no colo da mãe e parou de chorar. Ficou olhando, com os olhinhos ainda cheios de lágrimas, pensando e olhando pra jaula e pra nós dois...
O jornalista da PUC voltou, para fazer novas imagens e entrevistar o Beto, que não estava aqui quando ele veio da outra vez. O Newtinho, também repórter, da TVE, passou e deu balas aos “animais” enjaulados...
Uma senhora se aproxima e começa a contar que ia comprar uma casa e, ao começar a calcular os inúmeros aparatos de segurança que deveria instalar, desistiu de fazer a compra, porque iria morar numa verdadeira prisão. O interessante é que, enquanto ela contava a sua história, rica em detalhes, as outras pessoas que passavam iam parando em volta para escutar, com uma surpreendente atenção. Foi uma incrível contação de história, uma verdadeira performance, ali, entrelaçada ao nosso trabalho. Quando ela acabou, as pessoas foram se dissipando, e logo, éramos outra coisa, prontos para a próxima surpresa.
“Isso é arte.” Diz uma adolescente com a sua trupe. E saem discutindo o que é arte e o que não é.
Algumas visitas nos fazem pensar no “aspecto playground” da obra de arte. Pais que trazem as crianças para nos ver como quem está indo a um parque de diversões... “Ouviu a musiquinha? Agora vamos lá entrar no cofrinho de espelhos!!!” Ouvimos de um pai com seu filho, se referindo à nossa canção e à obra da artista Cátia Costa. De que maneira essa forma de tratar a arte contemporânea será absorvida por essa criança? Como está sendo compreendida a arte contemporânea por esse pai? ...E tantas outras questões!
Cá estamos, tentando representar uma realidade, e nos jogam uma bolinha de papel, vinda das escadas rolantes. Terá sido um elogio, um ato de apoio, do tipo: “também me sinto assim!”? Ou um: “saiam daí, malucos!”? Preferimos nos regozijar do fato de estarmos provocando alguma reação.
Conversando com uma amiga também artista, ela falou de um aspecto do trabalho no qual ainda não havíamos pensado. A questão deste “não lugar” onde nos instalamos. Um lugar de passagem, um corredor do shopping, um “não lugar”, que transforma-se num lugar, a partir do momento em que nosso trabalho está aqui. Agora as pessoas param, conversam, ouvem e vêem o LAR DOCE LAR. Há um texto teórico sobre este tema, vou ler e poderei escrever mais sobre o assunto, que achei muito interessante.
No final da noite, apareceu o amigo, fotógrafo e apoiador Jener, com uma bandeja de sushi! (Estamos ficando mal acostumados.) Essa interação é incrível. É sempre uma surpresa, como um happenig a cada dia.
Um comentário:
Quero saber da paródia da Parmalat!!! ô curiosidade...
Quero fazer fotos com as pessoas interagindo com vocês, querendo abraçar e beijar pelas grades. E isso é muito importante para o registro.
E de pijamas também!!! Vocês têm dia ou hora para isso?
Pois é, tinhas que ter me avisado que não estavas ignorando os amigos e encarnando 100% o papel de enjaulada, me paramentei de entregador e fiz aquela firula toda para quê? :-P Bem, valeu a brincadeira. O entregador The Dog voltaria para entregar uns CD do 1º Papo Arte para vocês...
Uau! Integração de histórias e idéias com uma ex-futura-auto-prisioneira! Ela poderia voltar com alguma freqüência contar seu relato, né? Ele combinou perfeitamente com o trabalho de vocês.
"Isso é arte?" Isso É arte!! E crítica, do melhor gabarito!
Sobre a bolinha de papel... lamento informar, mas é porquê não tinham nada melhor para fazer. Que chato a vida fútil, né? Esses demorarãããããooo muito tempo para entender seu trabalho. Se chegarem a isso...
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