sexta-feira, 21 de setembro de 2007

VIGÉSIMO QUARTO DIA Quinta-feira, 20 de setembro de 2007.

Feriado Farroupilha. Cidade vazia. Dia cinza. Chove. Shopping vazio.

Somente a praça de alimentação abre às dez. As lojas abrem, opcionalmente, das 14h às 20h. Nós cumprimos nosso horário integral: enquanto há público, ainda que pouco, estamos aqui. Das dez às dez.

Começamos o dia com as tarefas de sempre, só que hoje retiramos o tapete para melhor limpar. O segurança veio nos dizer que não é permitido limpar em frente aos clientes. Mas já estávamos em plena faxina, com a cadeira virada de pernas pra cima sobre a cama, tudo erguido do chão. Ao menos tentamos ser rápidos, apesar de que a cena da faxina deve ter sido interessante para quem passava. Ficamos nos perguntando a razão de esconderem certas ações, como limpar. A visão do cliente deve ser de um lugar perfeito, onde tudo é limpo e perfeito, mas não se vê o “como”.

Hoje inovamos assistindo, recostados confortavelmente, a um filme inteiro: Scoop, do Woody Allen. O som se confundia com o murmurinho do shopping e, vez que outra, parávamos o filme para responder a alguma pergunta de espectador.

Um senhor se aproximou, ouviu a canção, perguntou se poderíamos interagir. Elogiou o trabalho, disse que era de fora da cidade e que tinha vindo especialmente para a Bienal. Em seguida, aproximou-se de nós e disse: “Como eu sei que arte conceitual não vende, mas o artista precisa...” Deu-nos uma nota de 50 reais e agradeceu pelo momento de encantamento que nosso trabalho lhe proporcionou. A forma com que ele agradeceu e fez questão de nos dar o dinheiro deixou-nos muito emocionados. Este tipo de reconhecimento, quando percebemos a emoção transbordando no olhar do espectador, é um momento mágico que não pode ser expresso em cifras. Mas quando uma pessoa paga, sem que peçamos nada, pelo nosso trabalho, sentimo-nos, sim, muito honrados e reconhecidos, porque recebemos um presente de alguém que quis nos retribuir pela nossa arte.

15h. O Beto dorme e as pessoas se aglomeram na grade para vê-lo. É muito curioso como essa situação desperta interesse. Fico pensando no motivo pelo qual as pessoas não têm a mesma reação quando vêem uma pessoa dormindo na calçada, na rua. Será porque a grade garante a segurança de quem está olhando, dando liberdade para olhar? Ou porque sabem tratar-se de uma ação fictícia?

“Deram um lexotan pra ele!” Falam alguns passantes.

As pessoas estão risonhas hoje, riem muito de nós e da música.

Há filas nos fones!

O público hoje está interagindo menos, limitando-se a ver a cena e ouvir a canção. Interessante como isso varia. Há dias em que as pessoas falam muito conosco, outros em que usufruem a cena sem interferir.

Uma senhora muito arrumada: maquiagem, cabelo impecável, jóias. Olhos agitados, aflitos, quase sinto o pulsar disparado do coração. “Lar Doce Lar”, ela diz. Coloca os fones, aperta freneticamente os botões do disc-man. “Mas eu não escuto nada!”, diz para as pessoas que a acompanham. (Após ligar o aparelho, há dois segundos de silêncio até o cd começar a tocar.) Ela sinaliza com a cabeça que a música começou. Ouve uns cinco segundos, tira os fones e vai embora. Não vi os olhos dela passarem por um momento sequer pela obra como um todo. Só vi aflição e agitação. Não me parecia que havia motivo para a pressa, ela parecia estar passeando, mas não se permitiu sentir nada. Ou conhecer algo novo. Ou brincar.

“O que é isso pai???”, grita uma criança. “Isso é uma Obra de Arte!”, diz o pai, com uma certa pompa na pronúncia das palavras. Ele pára e escuta a música. A mãe segue com as crianças. Uma das crianças volta correndo, quando vê que o pai está escutando algo e sorrindo. Grita: “Eu também quero, pai!!!” Ele, pacientemente coloca os fones na criança. Ela ouve alguns segundos e arranca os fones: “Não quero mais, pai!!!”, num grito estridente. Ele recoloca em si os fones e escuta até o fim. Depois vai ao encontro da família, ainda sorrindo.

Alguns clientes do shopping já são nossos conhecidos. Nos acenam das escadas rolantes! Retribuímos, como velhos vizinhos na sacada de casa. Não raramente falamos com as pessoas das escadas, gritando: “Tudo boooom?! Passa aqui depois!”

Uma senhora pára, olha... E dá a sua opinião, falando bem alto: “O que falta para mudarem essa situação é voltarem a dar na escola: filosofia, religião, moral e cívica!... Cuidaram tanto da tecnologia e deixaram o humano de lado!... As pessoas modificam quando estão no poder, têm sede de poder!...”

“Olha, olha! Parece um filme ouvir a música e vê-los aqui!”

Um comentário:

Jener Gomes disse...

Hehehehe! Um bom dia!

Eu estava pensando no ambiente asséptico destes centros comerciais quando chego na parte onde escreveste isso. Urg, que coisa!

Ué, não era proibido produzir som também? Como assistiram o filme?

A-DO-REI o homem que contribuiu com o trabalho artístico!! Isso me lembrou algumas vezes em que eu queria retribuir alguma peça de teatro ou música, que para mim valia muito mais que o ingresso que eu paguei ou que as palavras que eu poderia expressar aos artistas. É, isso é muito significativo, e adorei sua iniciativa e atitude!

Hehehehe! As pessoas esperam que a soneca do Beto seja uma encenação... que vai acontecer algo. Ou é por outra coisa que chama tanto a atenção, relacionada com a situação de vocês aí. Têm mais alguns dias para descobrir!

AMEI parte 2!!! É isso aí, senhora, fianlmente alguém mostrou que está no caminho, muito próximo de matar a grande charada: EDUCAÇÃO!!! É a única coisa que TIRARIA o país desta situação. O grifo no "tiraria" denota a minha visão e esperança. A contribuição dela foi a pérola da semana (claro, a idéia deve ser trabalhada). Talvez, a do mês!