quarta-feira, 26 de setembro de 2007

VIGÉSIMO OITAVO DIA Segunda, 24 de Setembro de 2007.

Parou a chuva. Dia lindo de sol, ainda frio. Primavera. Cores maravilhosas nas ruas de Porto Alegre.

O dia começou de forma poética. Um jovem visitante, de uns 20 anos, ficou extremamente tocado pela obra. Ouviu a canção e ficou emocionado, falou da sensação de encontrar algo sensível dentro deste ambiente que ele considera tão frio. Trocamos comentários sobre a arte, a música, e ele foi embora. Deixou uma mensagem no nosso livro de visitas que, a essa altura virou um outro trabalho, tantas coisas lindas escritas... Uns minutos depois, ele voltou para escutar a canção novamente.

Tomamos nosso leite achocolatado com pão de queijo, lemos os jornais.

Pela primeira vez, nestes 28 dias, estou sem paciência para escrever. Meu corpo já não encontra mais posição confortável dentro deste espaço. Tanto eu quanto o Beto estamos irritadiços e com vontade de ir embora. Mesmo assim, estamos conseguindo manter o bom-humor e rir de nós mesmos, assistindo ao desfecho do trabalho e percebendo que já era a hora mesmo de começarmos a querer fugir daqui. Temos constantes ataques de riso, porque a situação de ficarmos irritados com coisas banais é muito engraçada. É como uma experiência. Ficamos brincando de imaginar as nossas possíveis reações durante um ataque de nervos. Por exemplo, diante de perguntas ingênuas do público. Acho que qualquer pessoa nesse lugar já estaria assim, ou pior. Quando percebemos que estamos irritados um com o outro, acabamos também achando graça, já que, em ocasiões normais, praticamente nunca nos desentendermos... Somos muito pacíficos. É muito nítida a percepção de que nossos humores estão completamente alterados pela situação.

Um alarme ensurdecedor de alguma loja disparou e não conseguem desligar. Estamos submetidos a esse som por uns dez minutos.

“Ah, é uma obra do Essa PoA é Boa!” – Muitos eventos de arte pela cidade, as pessoas já estão misturando tudo! ...Que bom! Melhor assim do que uma cidade morta.

Fazemos planos para a produção do evento de encerramento... Alguns acertos de coquetel e som, tudo por telefone e e-mail... Ontem, víamos no noticiário que os traficantes presos também comandam suas equipes de dentro dos presídios, por celulares e rádios. Fazem grandes negociações, compram e vendem, altamente “organizados”.

Pedimos um tele-almoço. Comida caseira. Almoçamos sob os olhares. Já é bem mais fácil ignorá-los, mas sinto falta de comer sem pessoas olhando.

Após o almoço, sentamos em nossa “sacada” e comemos bergamota. Só faltou um sol para nos alegrar e aquecer. Saudades do sol. Quando eu sair daqui, quero abraçar uma árvore, lá na Redenção.

A atendente da loja em frente, já nossa amiga, traz uma gravação para ouvirmos a sua filha, de quatro anos, cantando. São tantos os momentos poéticos aqui dentro. A vida não é pura poesia, quando possibilitamos que seja?

A tarde passa, pessoas passam, sem muita interação, rápidas visitas. Pressa. Escrevo. Atualizo o blog, vejo e-mails, orkut.

Duca Leindecker voltou para rever o trabalho! É muito bom quando percebemos o interesse de algumas pessoas em retornar para compreender, apreender melhor a idéia do trabalho.

Minha vez de ter pressa. 18h. Preciso sair para assistir minha aula prática de aquarela e já estou quase atrasada. Arrumo minhas coisas correndo, visto minha roupa de verdade, meu não-figurino, me despeço, faço recomendações... Parto. Meu corpo parte. Meu coração fica nesta “jaula”.

Hoje foi trocada a exposição em cartaz no Moinhos. O Shopping promove exposições com duração de duas semanas a um mês, no espaço em frente às lojas Masson. Quando chegamos aqui hoje, não era mais a expo de moda que estava ali (criações de alunas da UCS), mas uma exposição de fotos de debutantes. Enormes estruturas em MDF, ricamente pintadas e decoradas, com fotos tamanho A4.

O que me lembra que deve haver um coquetel...

20h18min

O coquetel é uma superprodução. De queijo brie a morangos no chocolate.

Nesse exato momento em que escrevo, avisto um senhor elegantemente sentado em cima da obra da artista Paula Langie, enquanto conversa ao telefone celular. Levanto-me e digo sem som (os lábios se mexem) que isso é uma obra de arte, tentando ser impessoal sem ser grosseiro. Sejamos políticos!

Penso no coquetel que estamos organizando, para o qual já convidamos os lojistas da redondeza, assim como o pessoal da segurança, da administração e tudo o mais...

Provavelmente hoje eu me irritaria até com uma mosca no ouvido.

E penso que o meu texto está muito ácido... Eu estou ácido... Beto-Cáustico.

Hoje é, de longe, o meu dia mais ácido aqui dentro. A agitação contida, a agressividade eriçada e crítica borbulhando. Me sinto humano escrevendo essas minhas sensações que eu mesmo, aqui e agora, reprovo, quando penso racionalmente a respeito. (obs. Este texto publicado está editado, claro.)

...Com as emoções um pouco reviradas, volto-me ao meu pastel de frango com refrigerante, que por sinal está uma delícia...

Tenho muito, e agradeço agora pelo que como, aquilo com o que tantos sonham... Um pastel e um refri, todo dia.

A menina e sua mãe dançam ouvindo a música. Não resisti e fotografei-as.

Um grupo de algumas meninas, uns 12 anos, chegou cheio de perguntas. Poucas quiseram ouvir a música. Queriam saber por que estamos aqui, onde está a Cláu (depois que eu disse que ela é minha esposa e faz o trabalho comigo), se eu dormia aqui, aquelas dúvidas com as quais já estamos acostumados... As meninas já se foram. Uma delas, mais rápida, explica a obra para as outras, de maneira clara e didática.

Agora, um garçom permitiu-se servir uns docinhos para o pessoal da loja em frente. Olhei para ele, mas não foi recíproco.

2 comentários:

Unknown disse...

Este trabalho é também uma viva experiência matrimonial. Ou vocês precisarão de uma terapia de casal (o que não desejo) ou irão se tornar terapeutas de casal ao cabo da vivência.

Sem contar os convites para conferências, consultorias, debates em associações psicanalíticas, instituto da familia e afins.^

Um afetuoso abraço, apesar das grades.

Jener Gomes disse...

HAHAHAHAHAHA! Eu imaginei vocês rindo de raiva com uma a nongentésima nonagésima nona vez da pergunta "prá quê serve isso?"!!
Vocês são muito resistentes, guerreiros da arte! (Têm que assistir o filme-arte Os Guerreiros da Beleza!)

É mesmo... é melhor que confundam os eventos artísticos do que não os termos. E é melhor também as pessoas ao menos saberem de sua existência! :-o :-) Eu acho que ficaria confuso também... mais uma not´cia de fora: É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, MESMO. essa de eventos paralelos está sendo demais, tudo isso poderia acontecer noutra época, sinceramente! Poderia ser no semestre anterior, TALVEZ déssemos conta e curtíssemos adequadamente.

Uau! Vocês são "os cabeça" das operações do fim de semana... com tão os contato? Aqui, beleza. Cinderela já está avisada, tá comandado?

Me avisa quando abraçar a árvore, eu penso numa foto assim desde o ano passado, essa será a situação perfeita. E será um fim-de-semana ensolarado!

Nossa, transição Cláu-Beto invisível, só percebi dois parágrafos depois! Quanto o Beto escreveu nas outras postagens e eu não percebi? A Cláu só assinava? Uma escritora fantasma afamada? Para onde voam as andorinhas no inverno?

Bah!!! Na segunda-feira eu também tive meus momentos de conscientização do que eu tenho e como estou (comigo)!! E o dia estava magnífico e inspirador, combinou muito bem. :-D

Posta a foto das crianças!

O Reginaldo acima está certo, vocês podem ser convidados para muitos eventos psicanalíticos, antropológicos, sociais, artísticos (dos teóricos também)!