segunda-feira, 10 de setembro de 2007

DÉCIMO TERCEIRO DIA Domingo, 09 de Setembro de 2007.

Lindo dia de sol, shopping vazio pela manhã. Algumas poucas pessoas passeiam lentamente pelos corredores, olhando vitrines, olhando para o nosso LAR.

“Olha, filho! Hoje o tio tá acordado! Lembra que nós passamos aqui e ele estava dormindo?” Diz uma jovem mãe para o filho de uns dois anos de idade, apontando para o Beto. Percebo que, aos poucos, para alguns, estamos também virando uma atração já esperada e conhecida, que as pessoas já vem ver para saber como estamos, o que estamos fazendo hoje... Um senhor trouxe a filha, uma menina de uns cinco anos de idade, e perguntou detalhes do trabalho, dizendo que estava acompanhando desde o início, que a filha já tinha ouvido outra vez e havia pedido para voltar e que ele já tinha pesquisado o nosso site para pegar a letra da música. Esse comportamento só é possível a partir do momento em que se dá um tempo para a familiarização do público, o que não aconteceria caso ficássemos apenas uma semana. E transforma o espectador, que deixa de ver a obra como uma surpresa, mas passa a procurá-la como algo já conhecido e, a cada vez, melhor compreendido e absorvido.

Um amigo, também artista, vem visitar o LAR DOCE LAR e traz a sua mascote, uma gata preta, que só saiu de casa para visitar o veterinário. A gatinha estava assustada, não é acostumada a lugares públicos. Nossa surpresa é que, quando ele se aproximou das grades, a gatinha se desesperou para entrar na nossa jaula, mesmo sem nos conhecer. Grudou as patinhas nas grades e queria entrar de qualquer jeito. Segundo o dono, ela achou que o espaço seria um refúgio, uma casa de verdade, por isso a súbita e desesperada vontade de entrar aqui conosco. Ficamos admirados. Conseguimos enganar um gato! Realmente, é a prova que precisávamos para termos certeza de que o trabalho funcionou...

“De que adianta vocês estarem aí? As pessoas não entendem! Era melhor que vocês fizessem uma enquete, para saber o que as pessoas estão pensando da violência! Bom mesmo era o tempo do regime militar!” Opinião de espectadora. Inúmeras pessoas vêm nos dizer que querem de volta o regime militar...

Na maioria do tempo aqui dentro eu estou feliz, mesmo que não demonstre. Hoje, um lindo domingo de sol, pela primeira vez, me senti um pouco triste. Aqui, vendo as pessoas “livres”, passeando, pensei no quanto estar atrás das grades é realmente triste. O quanto as pessoas são tristes quando se sentem presas. O quanto a nossa sociedade é presa e triste. A raiz deste trabalho sempre foi essa tristeza, mas eu nunca a tinha vivenciado emocionalmente aqui dentro, de forma inteira, sensorialmente. Hoje experimentei essa dor na carne. Não o personagem, eu, a Cláu. Para a realização dessa obra, nossas vidas como que pararam. Estamos vivendo esse trabalho em tempo integral, mesmo quando fecha o shopping e vamos para a nossa casa “de verdade”. Quando chegamos em casa, precisamos cuidar de tudo para podermos voltar no outro dia, precisamos verificar os figurinos, providenciar a comida para o dia seguinte, cuidar de coisas que tenham ficado pendentes, lavar louça, roupa. Temos ido dormir exaustos e, ao menos eu, tenho sonhado diariamente com o trabalho. A obra é tão viva que nos persegue quando saímos dela. A estamos vivendo.

Muitas pessoas perguntam se somos realmente um casal e, diante da resposta afirmativa, dizem que se o relacionamento sobreviver a estes 35 dias, nunca mais nos separaremos... Apesar de todas as dificuldades em lidar com essa realidade à qual estamos nos dispondo, a menor é a convivência. Ocupamos muito bem o nosso tempo aqui dentro e costumamos respeitar muito o tempo e espaço um do outro. Quando nos movemos neste lugar de 2,5mx2,5m, parecemos dançar uma coreografia ensaiada... Um se move sempre em relação ao outro, cedendo lugar quando preciso, pensando no bem-estar do outro ao mesmo tempo em que pensamos no visual geral da obra. Até mesmo beber um copo d’água é coreografado: pega a água e os copos quem está mais perto do armário onde guardamos os mantimentos, para facilitar a movimentação no espaço. A hora de comer é planejada: o Beto é maior do que eu, então ele come sentado na cadeira e eu na cama, para equilibrar visualmente. E, assim, vamos dançando a nossa obra viva... E, por incrível que pareça, como aqui evitamos um contato mais íntimo por considerarmos inadequado para o trabalho, mesmo estando assim tão perto o dia inteiro, temos saudades de estar um com o outro. Estar junto nem sempre significa estar perto.

“Eu não vejo as grades. Vejo um casal bonito e feliz, fazendo a sua arte, como os passarinhos que eu tenho, na gaiola, em casa, que cantam todas as manhãs pra mim!” Opinião de mais um espectador.

“Eles estão aí pra fazer um desafio e mostrar por quanto tempo eles conseguem ficar numa jaula!” Uma senhora que passa, explica à outra.

Uma espectadora nos diz que é difícil emocionalmente nos ver aqui dentro, fica extremamente tocada com o que julga ser um sacrifício por uma causa pela qual poucas pessoas tentam fazer alguma coisa. Sente-se culpada por não estar fazendo nada para mudar as coisas que acha que pode mudar...

2 comentários:

Jener Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jener Gomes disse...

Olhá-los mais de uma vez possibilita mais de uma leitura, além da percepção em outros níveis - espero que cada vez mais profundos, em aspectos antes não pensados devido à surpresa. E várias pessoas têm a percepção alterada conforme a época, o dia, até na hora do dia - por isso eu disse que a obra deveria ser eterna... - Claro, com outros, né? hehehehe! Um rodízio, ou algo anual, sei lá.

Uma idéia para o encerramento: uma apresentação da música ao vivo! Algo que a administração concordará, e é só avisar ao público... na última semana? Terminando com estilo!

Singular a história do gato... Ele percebeu como um nicho, um lugar bom para ficar... Dentro das grades!

ARGH!!! Regime militar?? Só para a classe média-alta que obedece ao governo era bom!! (Rá, imagina um direitista sob um regime militar de esquerda?) E eles não tiveram seu filhos torturados ou mortos. Que indignação!!! E ainda por cima foram, são inúmeras pessoas??!! Isso fecha com o estereótipo que eu tenho sobre "certas pessoas"... É isso aí, regime militar, vamos celebrar nossa ignorância, vamos celebrar nossa mente fechada, como ovelhas num rebanho! Viva o poder militar, o poder eclesiástico, o poder político! Morte aos livre-pensadores! Para quê pensar, para quê criar, para quê LIBERDADE??
Isso me deixa fulo!!!

A atividade de vocês me lembrou alguns eventos religiosos nos quais os fiéis passam por necessidades, como um dia de jejum. Essa semi-prisão auto-imposta está fazendo vocês verem a vida de uma forma diferente, valorizando muitas coisas que normalmente nos passam despercebidas. Vocês sairão mais maduros, além de uma excelente percepção da sociedade.
Ah, me pergunto: Como seria a vivência e a reação das pessoas... se estivessem na Redenção??!!

Tive uma idéia agora, vocês vão querer me matar, mas a forma econômica disso é aproveitar o aluguel das grades e ficar o sábado ou talvez o domingo do fim do mês lá... na sombra, é claro - ou com um toldo. Iria atrolhar de gente em volta de vocês!!!

Observem a reação das pessoas pelo contato constante de vocês mesmo sendo um casal. Eu nem pensei nisso, pois sei como vocês se relacionam e do contato diário que têm, e isso é diferente com os outros. Vocês são um casal demais!!!

Uma cena para imaginarem: Vocês conversam, se beijam, ele te faz carinho, como se te consolando, depois se viram para a televisão como se não houvesse mais nada a fazer... e permanecem na jaula.
É de doer o coração, não? Se são um casal, sejam um casal.

Afora isso, imagino que esteja sendo muito cansativo, tanto fisicamente (halteres! halteres!), como psicologicamente. Força! Coragem! Estão no meio da atividade, parabéns!!

UC! O relato da espectadora tocada é... tocante. Inquietante. Incômodo - pois é a situação de muitos... dos que percebem e não agem, e essa é uma grande parcela do público de vocês. Esse parágrafo é uma das pérolas do diário!!! Louvores à esta especial espectadora.
E aos que provocaram esta reação, obviamente, sempre.