Feriado. O shopping se comporta como no domingo. As lojas só abrirão às 14 horas. Ainda assim, há pessoas passeando e olhando as vitrines... Tudo em câmera lenta. Muito diferente dos dias normais. É incrível como isso é perceptível energeticamente. Tudo parece mais leve. Até os seguranças têm um semblante mais calmo, dão longas passadas vagarosas. As pessoas sorriem, conversam, vez que outra, algumas, apontam para nós.
“Kunst Werk!” Obra de arte, em alemão. Se é bom ouvir isso na nossa língua, imagina ter o trabalho reconhecido como obra de arte em língua estrangeira!
Há coisas que não pensávamos gerar curiosidade, mas as pessoas perguntam muito sobre o que comemos. Pois bem: trazemos nossa própria comida, que consiste basicamente em sucos, café com leite ou leite achocolatado, sanduíches naturais, frutas, coisas práticas e, dentro do possível, saudáveis... Às vezes entram umas coisas menos saudáveis como cachorro quente, pastel, pão de queijo, pizza, chocolate, que ninguém é de ferro. Raramente comemos as comidas prontas do shopping, por questão tanto ideológica quanto financeira.
Após inúmeras sugestões de pessoas preocupadas com a nossa saúde, que insistem para que abandonemos nossa ação artística para irmos “descansar”, chegamos à seguinte reflexão: o trabalho responde de acordo com a nossa dedicação. É bastante óbvio, mas nem sempre refletimos sobre o óbvio. Se deixarmos de lado, irmos pra casa e acharmos que não vai importar “dar uma fugidinha”, é como se estivéssemos dando menos importância ao que há de mais importante e sagrado, neste momento, em nossas vidas. Isso gera um questionamento sobre a atenção que damos ao que realmente importa. Quando cuidamos bem de uma planta, ela cresce, saudável e bela. Assim é com os nossos projetos de vida. Se estivermos aqui, e houver uma pessoa vendo ou ouvindo o nosso trabalho, ele acontece. E nesses onze dias em que estamos aqui, não houve um momento em que essa mágica não aconteceu.
Um de nossos visitantes comenta a sensação de opressão de conversar atrás das grades. Que, depois de algum tempo nos vendo aqui dentro, sentiu um incômodo profundo, como se algo mexesse fortemente por dentro. Realmente, sentimos que o incômodo de estar “enjaulado” vai muito além da primeira percepção. As pessoas que resolvem interagir conosco ficam em pé e, tanto nós quanto elas, atrás das grades, ainda que estejam fora. Muitas já tentaram nos beijar através das grades, o que machuca o rosto, espeta, fere. O tanto que grades podem ferir. Os abraços que recebemos dos amigos, quando resolvemos sair da jaula para abraçá-los, são os abraços mais afetuosos e calorosos que já recebi. Como se estivessem cheios de alívio por nos verem em liberdade. Qual o resultado, então, de toda uma sociedade se desenvolvendo rodeada de grades?
Outro comentário de espectador é que estaríamos realizando o sonho de qualquer pessoa: passear de pijama pelo shopping, dormir, comer pelos corredores sem ser chamado de louco ou ser interpelado por seguranças. Neste momento, somos os donos do shopping. Os seguranças nos protegem ao invés de criarem limites. O incômodo da exposição foi quasei substituído completamente pela sensação de estar em casa. O que favorece imensamente o trabalho.
Uma mãe pergunta às suas três crianças (de aproximadamente 4 a 5 anos): “Vocês não notaram nada de diferente nessa casinha?” As crianças quietinhas, olham o trabalho. Ouvem, uma por uma, a canção. Saem conversando. O que terão conversado?
Um amigo, também artista, comentou conosco que estaríamos realizando o sonho de todo artista: observar a reação do público diante da sua obra. Realmente, ter esse retorno imediato é uma das melhores coisas desse trabalho. Enquanto eu escrevia este parágrafo, um espectador, com os fones de ouvido, escutando a música, dá uma gostosa gargalhada. Como uma benção do Universo.
Visitantes afetuosos nos presentearam com dois enormes sundaes, de morango e chocolate. Um presente doce para alegrar, da Fabi e do Leandro.
“Essa é a evolução da espécie!” Comentário de passante.
“Lavagem cerebral!” Diz um outro. Penso se no bom ou no mal sentido...
“Veja, ouça e pense!” Um senhor fala às pessoas que passam, após ouvir a canção.
São tantos, e tão ricos os comentários, que eu precisaria escrever o dia inteiro... E eu já “quase” escrevo o dia inteiro.
Há pessoas que realmente dançam ouvindo a música, diante das grades num alegre balé triste.
Final de noite. O movimento cai bastante. Estamos num dos nossos momentos de profunda análise, quando conversamos sobre pessoas, sobre arte, sobre psicologia e filosofia. Uma moça se aproxima da jaula e nos dá um grande pacote de pipocas doces!
Um comentário:
UAU! O feriado possibilitou muita filosofação? Está bem mais pensativa e observadora neste relato. Nem comento mais, pois deste bastante a refletir.
A benção do Universo foi fantástica!!
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